Capítulo 11 - O Assalto

O alarme do carro estava quebrado. Léo acionava o vidro do carro quando eu ainda fechava a porta. No dia anterior eu já havia machucado um dedo – ele foi esmagado enquanto Léo fechava o carro. Doeu mesmo. Fez até calo de sangue. Agora, um dia depois, de novo. Foram dois dedos desta vez. Se eu não conhecesse meu marido, iria achar que ele estava fazendo de propósito.

Com os dois dedos machucados, fui para a consulta médica levar o resultado dos exames. Léo me deixou na frente do prédio e seguiu para o trabalho. Ele queria muito ir comigo, mas não poderia deixar este compromisso.

Meu médico era ótimo. Tinha um senso de humor que médico nenhum tinha. Ele examinou todos os resultados de exame. Levei uns exames antigos que eu tinha e ele analisou também. Então meu mundo caiu.

Dona Bia, está tudo bem. Sangue, urina, órgãos – ele fez um exame geral em mim, pediu todo tipo de teste - O único problema mesmo é seu ovário. Você dificilmente engravidará e, se conseguir, provavelmente vai perder o bebê. Mas podemos tentar aplicar alguns hormônios...eu não estava mais ouvindo.

Nunca nenhum médico me falou isso. Eu tenho 29 anos, já fiz pelo menos umas 40 consultas com ginecologistas. E como só agora eu fico sabendo que tenho dificuldades para engravidar? que eu posso sofrer um aborto? como nenhum médico me falou isso antes?

Tudo bem que desta vez eu estava falando com um especialista em infertilidade. Eu sabia que não estava completamente saudável, porque tentava engravidar há dois anos e não conseguia. Mas esta história de poucas chances, de aborto, não estava nos meus planos.

Minha vida, tão planejadinha... estudar, se formar, trabalhar, se casar, ter filhos... tudo tão planejado e eu, estéril. Estéril. Palavra estranha. Eu fui no médico para ouvir que era pisicológico, que eu deveria relaxar, mas não. Não era tão simples. Que dor. Meu Deus. O médico disse que após três meses usando um remédio, eu refaria alguns exames. Eu não pensava em mais nada. Só queria sair dali.

A adoção era uma escolha, uma opção. Queríamos um filho da barriga e um do coração. Agora não era mais uma opção, era a minha única forma de maternidade.

Ainda meio atordoada, segui para uma obra, aonde um cliente me esperava. Ainda de manhã, combinei com Léo que se encontrasse comigo lá, pois a obra era em um orfanato. Seria uma oportunidade de conhecer este ambiente, sem a pressão de estar indo visitar pretendentes a filhos.

No caminho, no carro, com um colega engenheiro, conversava tentando disfarçar a tristeza. Coloquei a mão na minha barriga, e senti uma dor tão forte no peito...

Chegamos à obra do orfanato. Nenhuma criança. Meu colega se enganou, era apenas uma casa de convivência. Na sexta de tarde as crianças voltam para suas casas, para a casa de suas famílias. Suas próprias famílias.

A casa de convivência ficava no bairro aonde distribuíamos sopa. A obra era o muro ao redor da propriedade, que era muito extensa e vinha tendo suas terras invadidas por casas da comunidade.

Primeiro olhamos as instalações por dentro. Léo chegou junto conosco. O local era bonito, bem cuidado, limpo. Vivia de doações. Nosso colega propôs que fôssemos por trás da instituição, para vermos o local já invadido pela comunidade, para analisarmos a situação do terreno.

Chegando lá, constatamos que parte do antigo muro ainda existia. Entrando mais um pouco, percebemos que a maioria do muro já estava no chão. Havia barracos de madeira ocupando o terreno do nosso cliente. Bem, nosso trabalho é construir, isso não inclui brigar com vizinhos.

Olhamos tudo de cima de uma laje e resolvemos ir embora. Nem havia me dado conta de que estávamos tão longe do carro, tão dentro daquela favela. Quando voltávamos, percebemos um movimento estranho. Um assalto. Relógio, celular. Meu colega queria reagir, meu marido impediu. Um revólver. Dois bandidos. Eles levaram o que queriam e nos mandaram embora. Fomos andando rápido para o carro quando meu colega resolveu voltar para tentar recuperar nossos aparelhos. Gritamos com ele, precisávamos sair rápido daquele lugar, o carro estava longe.

Chegamos ofegantes no carro. Nem sinal de nosso colega. Não sabíamos o que fazer. E se os bandidos atirassem nele? E se eles atirassem em nós? Homens estranho se aproximavam. Entramos no carro. Meu coração gelou. Nem sinal de meu colega.

O homens passaram direto, mas falavam no celular e não pararam muito longe de nós. Eles iam tomar o carro. Nos levar, talvez. De repente, vi meu colega de longe.Vinha correndo. Acho que desistiu da operação de resgate de celulares. Ele entrou no carro dele rápido, enquanto nós manobrávamos o nosso. Saímos em disparada até a delegacia mais próxima, aonde registramos uma queixa.

Que dia horrível. Os assaltantes levaram alguns bens materiais. Nos deram um susto, nos humilharam, nos ameaçaram. Mas nem aqueles assaltantes me deixaram tão tristes quanto meu médico. Nem meus dedos espremidos na porta do carro doeram tanto. Eu, seca, estéril.

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