Capítulo 3 - Mãe por duas horas

Era o dia dos pais, e precisávamos almoçar com nossos respectivos pais. Eu fui com meus familiares a um maravilhoso restaurante especialista em entupir artérias do coração, de comida muito saborosa. Meu pai gostou de seu presente, uma camisa social azul. Depois era a vez de meu sogro. Encontrei meu marido na casa de seus pais e quando ví a mesa posta percebi o quanto esta maratona de almoço em família no dia dos pais engorda!

Aquela seria uma boa oportunidade de colocar os assuntos em dia. A comida estava muito saborosa, como sempre, mas os comentários sobre a paternidade, ou falta de paternidade de Léo não foram fáceis de engolir. Se você quiser, te dou a receita, ou está precisando de ajuda? Tome um caldo de ovo de codorna! foram os favoritos da tarde. Talvez exista um livro sobre “piadas para fazer com casais sem filhos”.

É claro que o assunto da adoção iria surgir. Meu cunhado foi quem trouxe o assunto: e aí, Bia? Quando você vai visitar o orfanto? ele não sabia que, para chegar no estágio de visitas a orfato, haveria um longo caminho. Na verdade, naquele momento nem eu ainda sabia.

Um primo de meu marido, muito atencioso com nossa situação, disse que tinha uma amiga que ajudava financeiramente alguns orfanatos, e conhecia a diretora de um deles. A história do “conheço alguém, que conhece alguém, que conhece alguém”. Animados, ligamos para esta amiga dele. Chegou esta semana no orfanato um bebê, lindo, com 3 meses. Se você quiser, falo com a diretora do orfanato pra você ficar com ele. Você quer o bebê?. Você quer o bebê? – pensei comigo. Se eu quero? É o que eu mais quero hoje.

Ela me informou de que o coral do orfanato estaria se apresentando numa igreja naquela noite. O bebê não estaria, mas seria uma oportunidade de conversar com a diretora e ver se ela poderia me ajudar de alguma forma.

É bem verdade que o único motivo que me levou àquela igreja foi a possibilidade de encontrar meu filho. Eu imaginava que, talvez, no meio daquelas crianças que estariam se apresentando no coral do orfanato estivesse a minha criança. Não precisava ser o bebê. Então fomos. Eu e Léo nos arrumamos, e convidamos minha amiga Carlota para ir junto. Ela topou, e estava com a mesma expectativa que eu.

Vou ter um bebê – eu pensava no caminho. Finalmente. Se a diretora gostar e mim, ela vai me deixar leva-lo. Inocente. Eu desconhecia completamente o processo da adoção. Eu achava que era só gostar da criança e pronto. Algum juiz liberava a guarda pra mim, e seríamos felizes para sempre. Eu estava profundamente enganada. E a amiga do primo de meu marido também.

O culto já havia começado quando começamos. A arrumação da igreja era diferente. As pessoas se sentavam de frente uma para a outra. Logo que chegamos avistei o coral de crianças. Todas lindas, bem cuidadas. As meninas com vestido rosa e os meninos de calça azul e blusa branca. Eles pareciam felizes,animados e cantavam durante o culto.

Eu me sentia uma invasora. Só estava ali pelo interesse em conversar com a diretora. Quando olhei para o último banco do grupo que estava à nossa frente, vi a amiga do primo de Léo, de longe. Ela estava com o bebê no colo.

Miguel era lindo. Um lutador. Nasceu prematuro aos 5 meses e sobreviveu. Era forte, bochechudo, e olhava no fundo dos nossos olhos. Ela se levantou e veio em nossa direção. Colocou o bebê no meu colo. Ela era meu. Só poderia ser. Porque ela faria isso? Era meu! Eu e minha amiga começamos a chorar. Eu estava tão feliz. Cheirei a mãozinha tão pequena dele, beijei. E ele olhava fixamente pra mim. Meu marido, sentado no banco de traz, chorava também. Foi uma cena linda. Meu bebezinho, nos meus braços. Tão quietinho. Tão fofinho. E assim foram duas horas culto. Não me lembro de uma só palavra falada. Mas me lembro, até hoje, de cada traço do rosto de Miguel e do cheiro dele.

No final do culto, fomos, com Miguel nos braços, falar com a diretora do orfanato. Não percebi interesse nos olhos dela. Isso me incomodou. Será que ela não estava feliz por nos dar Miguel? Nós seríamos ótimos pais! Ela não precisaria se preocupar.

Antes de falarmos com ela, umas mocinhas me perguntaram: é você que vai ser a mãe de Miguel? sim, sou eu - respondi eufórica.

Oi, tudo bem? Eu sou Bia, e quero saber quais documentos preciso apresentar para adotar Miguel? – perguntei, já certa da adoção. Adotar Miguel? – essa pergunta foi fatal. Existem quatro casais que querem adotar Miguel. Ele já está praticamente adotado, acho que o juiz já tem um casal – o chão sumiu. Meu sangue também. Mas, mas... – eu nem acabei de falar e ela deu as costas, para ser parabenizada por alguém, pelo maravilhoso coral.

E eu,com Miguel nos braços, olhava pra minha amiga, tão pálida quanto eu. Carlota foi tentar interceder por mim para a diretora, mas Léo impediu. Ele já havia entendido. Eu também entendi, mas não tive forças para reagir. Carlota queria brigar por nós.

Senti uma coisa entranha. Uma dor que eu desconhecia. Fui até a diretora, entreguei o menino e disse: Adeus Miguel. Queira ter dito: “mamãe vai te buscar amanhã”, mas não podia falar isso. Disse apenas adeus, engolindo o choro.

Do lado de fora da igreja, não pude mais me controlar. Chorei, chorei como se fosse possível chorar por todo o corpo. Sentia uma dor horrível, uma dor como quem perde um filho. Fui pra casa e adormeci chorando.

2 comentários:

Paula e Alef disse...

meu Deus,vivi essa dor como se fosse minha...apesar de ter mue filho biologico nos meus braços...ainda ñ esqueço oq é a esperança de ter um filho e a decepção dos inumeros negativos...

Anônimo disse...

Linda essa história, bem sei o que você sentiu.Uma frustração, uma dor, que ninguem entende.
Beijos.