Capítulo 10 - Adotar Dói

Colocamos o carro no mesmo lugar que colocamos da última vez que estivemos no juizado, há uns 10 dias atrás. Passamos pela lanchonete da fachada bonita e pensei "hoje eu posso pagar pelos seus lanches". Eu nem estava com fome. Chegamos dez minutos mais cedo na nossa primeira consulta a “sós” com a pisicóloga do juizado, uma moça bonita, jovem, com um sorriso acolhedor.

O expediente parecia estar meio agitado naquele dia. O telefone tocava sem parar, a secretária da psicóloga faltou. Mas nós estávamos bem.

Quando entramos na sala da Dra.Cíntia, ela logo começou com a seção de perguntas, como em todas as entrevistas do juizado: porque vocês querem adotar? vocês são favoráveis à adoção de crianças de outras raças? qual o sexo da criança?

Enquanto nos explicava a importância de ser aberto a adoção de crianças negras, Dra.Cíntia foi pegando umas folhas em branco, uns lápis e borrachas. Desenhem uma casa - ela disse.

Ela não sabia que erámos engenheiros, e não sabe da nossa dificuldade em obedecer a uma ordem tão simples quanto "desenhe uma casa". Ela queria uma casa em planta, em vista frontal ou em perspectiva? era uma casa existente ou um projeto? poderia ser a nossa casa? era com móveis ou sem móveis?

Ela riu das nossas dúvidas e disse que ficássemos a vontade, que fizéssemos o que estava na nossa mente. E fizemos. Sem olharmos um para o desenho do outro, desenhamos a mesma coisa: a nossa casa. Não sei se pelo fato de termos trabalhado tanto nela no final de semana, pintando tudo, ou se foi porque não havia outra casa na qual pensarmos.

Este final de semana foi um feriadão : sexta, sábado e domingo. Desde a sexta nós compramos tinta e massa corrida, e contratamos um servente para nos ajudar. Pintamos a sala (recém criada), a cozinha, o hall dos quartos, o corredor de entrada e o mais importante: o quarto o nosso filho.

O quarto do filho foi pintado todo de branco. Resolvemos que uma das paredes seria pintada de uma cor diferente, mas neutra, que combinasse com menino ou com menina. Compramos um pigmento e resolvermos criar a cor. Misturamos, misturamos, misturamos e chegamos a um verdinho lindo. Aplicamos na parede. Depois que secou, uma surpresa. O verde era um azul. Tudo bem, dá pra colocar uns enfeites femininos numa parede azul. Difícil mesmo é colocar enfeites masculinos num quarto rosa.


Quando entregamos os desenho a Cíntia, ela pediu mais duas novas obras de arte. Uma pessoa e uma árvore. E lá fomos nós. Eu gostava de desenhar árvores. Quando eu era adolescente fiz um curso de desenhos no qual uma unidade inteirinha foi dedicada ao desenho de árvores. Desenhar figura humana era sempre mais difícil. Quando eu e Léo olhamos para nossos desenhos a reação foi imediata. Caímos na gargalhada. Meus Deus, meu marido não é bom em desenho. A figura humana que ele desenhou parecia um palhaço num filme de terror. E eu preocupada com meu desenho.

Eu tenho certeza de que a pisicóloga não se importa se as pessoas sabem desenhar ou não. Mas mesmo assim, acredito que todo mundo capriche nos desenhos. Mas aquele desenho de Léo era horripilante demais.

Era a terceira vez que ela saia da sala. O telefone não parava de tocar. Devo confessar que aquilo me incomodou um pouco. Mas parecia ser algum tipo de emergência, pois era o juiz que estava ligando para ela. Tudo bem. O que poderíamos fazer. Durante as ausências dela comparávamos e ríamos de nossos desenhos. Nessa última saída ela pediu que fizéssemos um último desenho - uma família.

Engraçado, eu e Léo desenhamos uma família com dois filhos, um pai e uma mãe. Juro que não combinamos. Os filhos que ele desenhou já eram grandes. Os filhos que eu desenhei eram menores, e um deles era um bebê. A família que Léo desenhou foi mais bonitinha que o desenho da pessoa sozinha que ele desenhou na outra folha. A pisicóloga de repente entrou na sala e disse que não poderia mais nos atender, pois precisava resolver um problema com urgência e remarcou nossa consulta.

Fomos pra casa e eu estava um pouco triste. Pode parecer infatilidade, mas estava chateada porque não recebemos atenção. Aquele telefone toda hora tocava. Que chato. A tristeza começou a se intensificar e, como toda pessoa que tem problemas de auto-estima, comecei a me culpar por não conseguir engravidar. Se eu ficasse grávida não precisaria ficar dependendo de juiz, de assistente social, de pisicóloga, de nada disso. Eu simplesmente ficaria grávida e começaria a arrumar o quartinho de meu filho. Seria tudo muito alegre, muito feliz, sem este tipo de situação em que fico às vezes muito alegre, às vezes muito triste. Adotar dói.

Eu acredito que Deus tem um propósito nisso tudo. Porque eu precisaria passar por todas estas situações? deveria existir uma razão. E eu esperava não demorar a descobrir.

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